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pau d´arco - UFMA - 2014

quinta-feira, 29 de março de 2012

DITADURA NUNCA MAIS: POR QUÊ?

Paulo César Carbonari

A história brasileira é marcada por longos períodos de exceção vividos sob ditaduras civis-militares e por breves períodos democráticos. O atual período democrático é o mais duradouro e consistente. Ele sucede, não esqueçamos, a recente ditadura civil-militar que emudeceu o Brasil por 20 anos, de 1º de abril de 1964 a 1985.
Mas, por que ditadura nunca mais? O que cabe a uma democracia que sucede a uma ditadura? Estas não são perguntas. São questões. Por isso, queremos menos responder a elas e mais ajudar a refletir sobre elas.
Ditaduras são formas de organização da vida política que impedem a liberdade, escondem a verdade e obscurecem a memória, comprometendo a justiça. Elas nascem como forma de fazer com que os interesses de grupos se imponham à vontade do conjunto da sociedade. Ditaduras só servem a quem é parte do poder por elas constituído e a quem a ele se alia ou a ele se submete. Não servem ao povo. A rápida descrição parece ser suficiente para ajudar a refletir e a tomar uma posição definitiva: ditadura, nunca!
O povo brasileiro sabe o que significou a ditadura militar nas suas vidas. Famílias que perderam seus filhos ainda esperam para enterrá-los. Pessoas que foram torturadas ainda esperam para poder dizer quem foram seus algozes. Vozes ainda têm dificuldade de dizer com força o que pensam por terem medo de serem reprimidas. A tortura segue sendo prática sistemática em delegacias e presídios Esta é a herança da ditadura. Vítimas que sofreram e ainda sofrem a injustiça, que ainda esperam pela possibilidade de dizer sua palavra e ver a verdade proclamada. Vítimas que ainda esperam por justiça.
Aqui já começamos a enfrentar a segunda questão. Uma das tarefas da democracia é exatamente abrir os arquivos, sejam eles quais forem, estejam eles onde estiverem, e permitir que cada um possa dizer a sua palavra. Abrir um debate público sobre o sentido da história para construir a verdade histórica como expressão da memória coletiva e criar condições para que a justiça ética às vítimas seja feita, não como vingança, mas como reparação, são desafios à democracia. Por isso, só se consolida a democracia se forem criadas condições para que a verdade seja obra da sociedade e que a justiça seja efetiva vida de cada uma e de todas as pessoas. Sem isso, qualquer democracia será uma democracia pela metade. E democracia pela metade não é democracia!
A democracia é preferível a qualquer ditadura não por outro motivo senão porque permite que memória e verdade sejam constitutivas da justiça como realização de condições para a efetivação da dignidade humana. A justiça exige o reconhecimento das injustiças e de suas vítimas, que sofreram a injustiça. Sem isso, a justiça é vazia. Mas, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua verdade, recorrendo à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimização, não há justiça. O querer justiça como memória e verdade das vítimas é um direito das próprias vítimas, mas não só, ele também é de todos os seres humanos, até porque esta é a forma efetiva de engajar a todos/as para que não sejam produzidas novas vítimas. Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se constitui num dos direitos humanos mais basilares das sociedades democráticas. O nunca mais a todo e qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo situação que produz vitimas, a todo tipo de inviabilização do humano, é a expressão positiva do querer um mundo justo e humanizado para todas e cada uma das pessoas.
Por isso faz sentido a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528, de 18/11/2011. Ela poderá ser um espaço capaz para construir a verdadeira verdade sobre o período da ditadura civil-militar brasileira e, por outro, para desconstruir algumas das verdades repetidas – nem tão verdadeiras assim – pelos que têm pavor de verdades que não sejam as deles próprios. Ela não terá alcance para fechar o tripé, pois dela não se poderá esperar justiça. Mas, se ela for capaz de produzir verdades com base na memória das vítimas, certamente abrirá caminho para que venha também a justiça. Por isso, ela é um grande recurso para que a democracia gere condições a fim de que, em uníssono, a sociedade brasileira diga: ditadura, nunca mais! Democracia, sempre, e com direitos humanos!
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Doutorando em filosofia (Unisinos), professor de filosofia no IFIBE, ativista de direitos humanos (MNDH/CDHPF).

domingo, 18 de março de 2012

Rumo à reforma agrária

por Frei Betto

Caiu mais um ministro, o do Desenvolvimento Agrário. Nomeado o novo: Pepe Vargas (PT-RS), que foi prefeito de Caxias do Sul por dois mandatos e mantém boas relações com o MST.

A esperança é que a presidente Dilma Rousseff tenha dado o primeiro de três passos urgentes para o Brasil não ficar mal na foto do “concerto das nações”, como diria o Conselheiro Acácio. Os outros dois são o veto ao Código Florestal proposto pelo Senado e uma nova política ambiental e fundiária que prepare bem o país para acolher, em junho, a Rio+20.

A questão fundiária no Brasil é a nódoa maior da nação. Nunca tivemos reforma agrária. Ou melhor, uma única, cujo modelo o latifúndio insiste em preservar: quando a Coroa portuguesa dividiu nossas terras em capitanias hereditárias.

Desde 2008, o Brasil ultrapassou os EUA ao se tornar o campeão mundial de consumo de agrotóxicos. E, segundo a ONU, vem para o Brasil a maioria dos agrotóxicos proibidos em outros países. Aqui são utilizados para incrementar a produção de commodities.

Basta dizer que 50% desses “defensivos agrícolas” são aplicados na lavoura de soja, cuja produção é exportada como ração animal. E o mais grave: desde 1997 o governo concede desconto de 60% no ICMS dos agrotóxicos. E o SUS que aguente os efeitos... nos trabalhadores do campo e em todos nós que consumimos produtos envenenados.

Os agrotóxicos não apenas contaminam os alimentos. Também degradam o solo e prejudicam a biodiversidade. Afetam a qualidade do ar, da água e da terra. E tudo isso graças ao sinal verde dado por três ministérios, nos quais são analisados antes de chegarem ao mercado: Saúde, Meio Ambiente e Agricultura.

É uma falácia afirmar que os agrotóxicos contribuem para a segurança alimentar. O aumento do uso deles em nada fez decrescer a fome no mundo, como indicam as estatísticas.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tenta manter o controle sobre a qualidade dos agrotóxicos e seus efeitos. Mas, quando são vetados, nem sempre consegue vencer as pressões da bancada ruralista sobre outros órgãos do governo e, especialmente, sobre o Judiciário.

A Cúpula Mundial do Meio Ambiente na África do Sul, em 2002, emitiu um documento em que afirma que a produção mundial de alimentos aumentou em volume e preço (devido ao uso de agrotóxicos e sementes transgênicas). À custa de devastação dos solos, contaminação e desperdício da água, destruição da biodiversidade, invasão de áreas ocupadas por comunidades tradicionais (indígenas, clãs, pequenos agricultores etc.). Fica patente, pois, que a chamada “revolução verde” fracassou.

Hoje, somos 7 bilhões de bocas no planeta. Em 2050, seremos 9 bilhões. Se medidas urgentes não forem tomadas, há de se agravar a sustentabilidade da produção agrícola.

Diante desse sinal amarelo, o documento recomenda: reduzir a degradação da terra; melhorar a conservação, alocação e manejo da água; proteger a biodiversidade; promover o uso sustentável das florestas; e ampliar as informações sobre os impactos das mudanças climáticas.

Quanto aos primeiro e terceiro itens, sobretudo, o Brasil marcha na contramão: cada vez mais se ampliam as áreas de produção extensiva para monocultivo, destruindo a biodiversidade, o que favorece a multiplicação de pragas. Como as pragas não encontram predadores naturais, o recurso é envenenar o solo e a água com agrotóxicos. E com frequência isso não dá resultado. No Ceará, uma grande plantação de abacaxi fracassou, malgrado o uso de 18 diferentes “defensivos agrícolas”.

Tomara que o ministro Pepe Vargas consiga estabelecer uma articulação interministerial para livrar o Brasil da condição de “casa da mãe Joana” das multinacionais da insustentabilidade e da degradação do nosso patrimônio ambiental. E acelere o assentamento das famílias sem-terra acampadas à beira de rodovias, bem como a expropriação, para efeito social, de terras ociosas e também daquelas que utilizam mão de obra escrava.

Governo é, por natureza, expressão da vontade popular. E a ela deve servir. O que significa manter interlocução permanente com os movimentos sociais interessados nas questões ambiental e fundiária, irmãs siamesas que não podem ser jamais separadas.

(Frei Betto é frade dominicano, escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de Conversa sobre a fé e a ciência (Agir), entre outros livros)